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24 de Abril de 2024

Direito Internacional Privado: Aplicado Código Civil uruguaio para julgar acidente de trânsito ocorrido em Rivera

Publicado por Rafael Costa Monteiro
há 9 anos

Acidente ocorrido em território uruguaio, envolvendo uruguaio e brasileira, deve reger-se pela lei do local do sinistro, apesar da propositura da ação indenizatória no Brasil. Com esse entendimento, a 12ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul conheceu, em parte, de recurso interposto por um motociclista uruguaio que ajuizou ação indenizatória contra condutora brasileira, imputando-lhe a responsabilidade pelo acidente de trânsito ocorrido em Rivera, região fronteiriça entre Brasil e Uruguai. A 12ª Câmara Cível do TJRS manteve o julgamento de improcedência dos pedidos de indenização por danos materiais e morais.

Caso

Daniel Azambuya Casaravilla ajuizou ação de indenização por danos morais e materiais contra Ruth Pereira Castro. Narrou que, em 05/12/2010, conduzindo sua moto CG125/Titan, ao atravessar o cruzamento da Av. Brasil com a Rua Ituzaingó, em Rivera, foi atingido violentamente pelo automóvel da demandada. Disse que Ruth conduzia seu veículo em alta velocidade e teria ultrapassado o sinal vermelho do semáforo, invadindo a via preferencial por onde trafegava o autor.

No 1º grau, os pedidos foram julgados improcedentes. Inconformado, o autor apelou ao Tribunal de Justiça.

Na 12ª Câmara Cível, o Desembargador Umberto Guaspari Sudbrack foi o relator do recurso. O magistrado iniciou destacando que o caso é objeto de Direito Internacional Privado, uma vez que o autor é uruguaio e possui domicílio naquele Estado, ao passo que a ré é brasileira e tem domicílio no Município gaúcho de Santana do Livramento.

Jurisdição competente

O Desembargador Sudbrack frisou que, embora a colisão de veículos discutida na ação condenatória tenha ocorrido no território da República Oriental do Uruguai e o autor possua nacionalidade uruguaia, bem como domicílio no Uruguai, não há óbice à propositura e ao julgamento do caso perante o Poder Judiciário brasileiro.

O relator citou três fundamentos jurídicos para a jurisdição brasileira, que deriva, no caso, do domicílio da ré: o art. 12, caput, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, que diz ser competente a autoridade judiciária brasileira, quando for o réu domiciliado no Brasil ou aqui tiver de ser cumprida a obrigação; art. 88, I, do Código de Processo Civil, que estabelece a jurisdição da autoridade judicial brasileira para o processo e julgamento de causas em que o réu, qualquer que seja a sua nacionalidade, estiver domiciliado no Brasil; e, por fim, o art. 7º, alínea b, do Protocolo de São Luiz em Matéria de Responsabilidade Civil Emergente de Acidentes de Trânsito entre os Estados Partes do MERCOSUL, segundo o qual o autor de ação decorrente de acidente de trânsito em faculdade de ajuizá-la no Estado onde tem domicílio o réu.

Nesse ponto, também foi ressaltado que a jurisdição brasileira para o caso possui caráter concorrente, pois não exclui a jurisdição uruguaia, cabendo ao autor a escolha do foro que lhe pareça mais interessante ou conveniente - prática lícita em matéria de Direito Internacional que se denomina forum shopping. O acórdão reconheceu a jurisdição uruguaia para o caso, conforme o exame de dispositivos da Ley General de Derecho Internacional Privado de la Republica Oriental del Uruguay, porém, prosseguiu no exame do mérito, tendo em vista o caráter concorrente das jurisdições e a necessidade de respeito à opção do autor.

Direito aplicável

Os Desembargadores consideraram que a aplicação do direito uruguaio ao exame do mérito do caso deriva tanto do art. 9º, caput, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), norma de direito interno, quanto do art. 3º do Protocolo de São Luiz em Matéria de Responsabilidade Civil Emergente de Acidentes de Trânsito entre os Estados Partes do MERCOSUL, norma de direito internacional incorporada ao Direito pátrio. Ainda, consideraram que o direito uruguaio deveria reger o mérito da causa independentemente de pedido ou alegação das partes, tendo em vista o dever de aplicação do direito estrangeiro, ex officio, conforme previsto na Convenção Interamericana sobre Normas Gerais de Direito Internacional Privado (art. 2º), tratado que também compõe o ordenamento pátrio.

O relator também destacou que não há óbice à aplicação do Direito material uruguaio porque o teor das normas evocadas na resolução do mérito não destoa significativamente dos preceitos a elas correspondentes, no ordenamento brasileiro. Nesse ponto, o acórdão constatou que, no caso, não havia motivos para negar vigência ao Direito estrangeiro aplicável, o que somente deve ocorrer em casos excepcionais, por força da chamadaexceção de ordem pública, prevista no art. 17 da LINDB.

No recurso ao Direito uruguaio, o Desembargador Sudbrack considerou normas do Código Civil de la Republica Oriental del Uruguay, citações doutrinárias de autores de Direito Civil daquele país e, também, precedentes da Suprema Corte de Justiça uruguaia, ressaltando que, conforme a doutrina do Direito Internacional Privado, a aplicação do Direito estrangeiro deve dar-se, pelo juiz nacional, como o faria o juiz estrangeiro, isto é, considerando os critérios interpretativos extraídos da literatura jurídica ou da jurisprudência, ou, eventualmente, até mesmo dos usos e costumes daquele ordenamento.

Decisão

A 12ª Câmara Cível afastou a regra específica do art. 1.324 do Código Civil uruguaio e aplicou a regra geral do seu art. 1.319: A jurisprudência da Suprema Corte de Justiça uruguaia orienta-se no sentido de que cabe à parte envolvida no sinistro e que toma a iniciativa de ingressar em Juízo a demonstração do preenchimento concomitante dos elementos que caracterizam a responsabilidade, antes enumerados, em prejuízo do réu(art. 1.319). O Relator ressaltou, contudo, que o exame da comprovação dos requisitos que caracterizam a responsabilidade civil, no marco do art. 1.319 do Código Civil uruguaio, deveria ser feito com base na lei brasileira, pois é a lei do Juiz nacional que disciplina as questões processuais, no caso com conexão internacional, inclusive no que diz respeito ao ônus da prova.

Na avaliação do Relator, além de ter feito menção vaga e genérica à suposta alta velocidade com que a ré trafegava, em clara estimativa a esse respeito, o autor não constituiu prova satisfatória, no ponto. Ainda que estivesse comprovado o tráfego da autora em velocidade superior à permitida no local, tal não necessariamente conduziria, por si só, a juízo de suficiente probabilidade da culpa da ré pelo acidente. Como dito, o sinistro derivou de violação de sinal vermelho e da subsequente invasão de via preferencial, por alguma das partes. E, acerca desse tópico ¿ que constitui o ponto central da controvérsia ¿, a prova produzida pelo autor afigura-se inconclusiva, referindo-se tanto às provas documentais quanto às provas documentais trazidas pelo autor.

O parcial conhecimento do recurso do autor deveu-se ao pedido de concessão da gratuidade judiciária. O benefício já tinha sido concedido, pelo Juízo da Comarca de Santana do Livramento, e, até o momento da interposição do apelo, não tinha sido revogado, conforme o procedimento previsto na Lei n.º 1.060/50. Nesse sentido, o Desembargador Sudbrack consignou a falta de interesse recursal do autor, frisando que as questões referentes à gratuidade judiciária não se regem pela lei estrangeira, ainda que o caso tenha conexão internacional, mas sim pela lei brasileira, por tratar-se de questão de cunho processual.

Acompanharam o voto os Desembargadores Guinther Spode (Presidente da 12ª Câmara Cível) e Ana Lúcia Carvalho Pinto Vieira Rebout.

http://www.rafaelcmonteiro.com/2015/04/direito-internacional-privado-aplicado.html

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